Viver na pergunta ou viver na resposta?
Acontece que todos entendemos que o que procuramos da vida são respostas. Na escola, por exemplo, premiavam as boas respostas e frequentemente repreendiam-nos quando fazíamos perguntas que eram valorizadas como incómodas ou inapropriadas. O mesmo se passa em adulto, sendo mais valorizados na medida em que oferecemos respostas. Parece que viver na resposta é uma atitude de vida mais saudável.
Não obstante, nesta distinção estabelecemos que viver buscando respostas de forma constante é, em certo sentido, viver abertos a fazer perguntas. De facto, o único que procura respostas neste mundo é uma pergunta. Uma pergunta é uma atitude pró-ativa de busca. Pode ser acompanhada de perguntas adicionais, opostas, contraditórias, alternativas... uma pergunta pode inclusive conviver com uma resposta, é a sua réplica... de facto constrói-se sobre respostas.
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Uma resposta é uma porta que se fecha, uma certeza, um lugar que se esclarece e que se consolida. É uma escolha, é dizer sim, a algo e, como consequência, dizer não a tudo o mais.
Todos podemos partilhar uma mesma pergunta, no entanto, no momento em que começamos a dar respostas, diferenciamo-nos. A pergunta é universal, enquanto que a resposta nos divide e nos confronta.
Uma resposta bem consolidada, não se interessa pelo diálogo ou pelo debate. Ao contrário, prefere a imposição, ganhar adeptos. Não escuta, porque não se dispõe a ser modificada, não aceita matizes, salvo talvez ocasiões onde não cause conflito ou respostas que a complementem.
Desta perspetiva, viver na resposta é viver na ilusão de habitar territórios conhecidos, cenários consolidados, vocacionados à perenidade e à rigidez. É viver necessitando que as coisas estejam controladas, que sejam previsíveis, que não haja espaço para a incerteza.
Viver na pergunta requer manter-se aberto, procurando outras opções. Implica estarmos dispostos a rever os nossos cenários e a modifica-los sempre que necessário, viver sabendo que nada pode ser controlado, que o futuro é imprevisível e que é bom que seja assim.
O homem que vive e constrói a sua existência ao redor de respostas, não pode dialogar nem escutar e assim as suas conversações serão de defesa ou ataque e regidas, sobretudo pelo medo. Dificilmente aprende algo de novo, porque tende a negar e a não querer ver nada que ponha em questão os seus esquemas. O cenário de cada dia é uma construção tão sólida e consolidada, que apenas permite ver nada do novo que passa ao seu redor. O que não está no guião não existe. E quando isto não é possível, porque a realidade nos confronta e é teimosa, então o seu mundo quebra-se e entra em crise. Esta expressão quotidiana de “deram-me cabo do esquema” é um exemplo disto: “tinha todas as minhas respostas bem colocadas, cada uma no seu lugar e agora nada parece encaixar”.
O habitante da resposta não se relaciona bem com a novidade e o desconhecido, prefere preencher estes espaços com respostas provisórias, incoerentes e falsas, que deixar espaço para o vazio e a incerteza. Em vez de afrontar uma pergunta, prefere a segurança duma resposta global e pacificadora: “Há coisas que não têm resposta e sobre as quais não temos de perguntar, são assim e ponto”. O facto de declarar que não há resposta é em si uma resposta.
Viver na resposta é viver reduzido à escolha de um único caminho. É viver o futuro como uma projeção do passado, um espaço controlado e previsível, mesmo não sendo o mais desejado, em vez de aceitar a incerteza de vê-lo como um lugar de múltiplas possibilidades.
Os nossos juízos são, na realidade, respostas. E as nossas crenças mais profundas, mais e mais respostas.
Viver na pergunta requer aceitar a resposta na sua justa dimensão, como uma explicação, uma possibilidade, uma alternativa, um juízo sobre algo sobre que podemos construir, sempre que não se converta em nosso dono.
A pergunta é livre, aberta, aceita alternativas e não tem medo de escutar. É um olhar ao futuro, uma abertura da mente, coração e vontade. A aceitação humilde da incerteza e da possibilidade de estar enganado e falhar.
Escutamos e dialogamos a partir da pergunta. O outro aparece diante de mim quando me aventuro a ir além do meu ego, o reino das respostas e vou dentro do mundo para além das minhas fronteiras, o reino da pergunta.
Só na pergunta posso obter a companhia dos outros, na resposta só me posso olhar ao espelho da minha imagem distorcida num diálogo domesticado. Se pergunto e vou ao encontro do outro, poderei voltar a mim mesmo e dar ao espelho a oportunidade de me devolver uma imagem genuína.
Por fim, viver na pergunta é viver sabendo que cada resposta é tão só uma paragem no caminho temporal, um lugar de passagem, um apoio pontual num dado momento que depois se dissipará para abrir espaço à pergunta seguinte.