Escassez ou abundância

A maioria de nós crescemos com uma mentalidade de escassez, com a crença de que os recursos são escassos, de que não há suficiente para todos.

Como sociedade vivemos muito apegados ao medo: medo de não ter o suficiente, a padecer privações, a perder o que havemos conseguido na vida, a adoecer, a morrer. A sociedade patriarcal construiu os seus alicerces há mais de 5000 anos nesta mentalidade do medo e da escassez e isto leva-nos a justificar ao largo da história, que os mais fortes tenham abusado dos mais débeis com todo o tipo de atropelos, perseguições, invasões, guerras, escravatura, genocídios…

Claro está que como sociedade temos evoluído, dotando-nos de leis e regras de comportamento, tornando-nos um pouco mais benevolentes, menos agressivos. Até não mais de 200 anos eram frequentes os castigos públicos nas praças dos povoados e considerava-se uma atração especial quando eram feitas; a escravatura era uma prática habitual e normalizada; as mulheres e as crianças estavam submetidos a todo o tipo de abusos e maus tratos. Hoje em dia, este tipo de condutas parecem-nos aberrações inaceitáveis. Temos vindo a desenvolver uma maior empatia com as pessoas, as minorias, inclusive com os animais. No entanto, ainda que tenhamos ganho alguns graus de sensibilidade, o nosso cérebro continua a ser, no essencial basicamente o mesmo nos últimos 25.000 anos e isto faz com que continuemos muito apegados à mentalidade da escassez.

Do berço, ouvimos frases do tipo: " achas que o dinheiro nasce nas árvores?", " tens que lutar muito para conseguir uma estabilidade mínima", "Deves-te esforçar para ser o primeiro, porque a competição é muito difícil", "Ninguém te vai dar nada", "não confies, vives no meio de tubarões " ...

Assim, crescemos com mentalidade de escassez, na ideia de que temos que lutar e competir para conseguir o que precisamos. E é uma luta perdida porque sempre precisamos de mais e mais. Sentimos um desejo, uma "fome" que nunca é preenchida. E, por outro lado, vivemos aterrorizados com a ideia de perder o que temos, tornamo-nos desconfiados, sensíveis, pensando que alguém pode roubar o que é nosso ou nos forçar a compartilhar algo do que alcançamos.

A mentalidade da abundância não é tão natural e precisa ser cultivada. Requer uma certa evolução da consciência, um maior grau de sensibilidade e empatia. Também requer condições mínimas que devem ser atendidas no ambiente, embora não seja necessário muito. Existem sociedades e pessoas que, tendo apenas o básico para a vida, estão muito mais em contato com a abundância do que a maioria de nós.

A sensação de abundância está relacionada com uma atitude vital que está ligada à aceitação de que nos chega; com gratidão pelo que temos, independentemente de ser muito ou pouco; com a confiança de que a vida nos sustentará; com a profunda alegria de estar em sintonia com a vida, com o contexto. É preciso desenvolver um olhar amoroso, benevolente e compassivo para consigo mesmo, para as coisas, para os outros, para a própria vida. A mentalidade da abundância permite-nos ligar com estados mais elevados de harmonia, serenidade, paz e plenitude

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Aceitação, gratidão, confiança, compaixão... são conceitos transmitidos ao longo da história pelas maiores tradições espirituais, de forma que não são ideias tão recentes. No entanto parece que vão entrando muito devagar, talvez porque cada um de nós a nível individual, tem que fazer o seu próprio trabalho pessoal cultivando esta atitude vital, que parece não ser tão natural …

Desde a mentalidade de escassez que nos encontramos com três atitudes que nos arrastam: Monopolizar, conservar e competir.

Monopolizamos porque acreditamos que os bens são escassos e podem faltar no futuro (acumular, acumular, valorizar ...). Assim, podemos acumular cada um de acordo com as nossas possibilidades, dinheiro, propriedades, conhecimento, relacionamentos, etc. e ter dificuldades quando se trata de mostrar generosidade ou compartilhar o que temos, porque no fundo não sentimos que temos muito. Não importa o quanto esteja acumulado, ainda nos sentimos incompletos...

A conservação é o resultado da preocupação de perder o que foi alcançado. (Evite perdas, garanta, não compartilhe ...). Por isso, dedicamos muitos recursos para garantir a nossa segurança, a conservação do que conseguimos. Hoje muitos de nós, temos casa, saúde, seguro de vida ... podemos investir muita energia na construção de um ambiente muito controlado, no qual os riscos são minimizados ao máximo. No entanto, apesar de todos os esforços, no fundo, não podemos livrar-nos de um sentimento desconfortável de insegurança, porque não podemos controlar os aspetos mais importantes da vida, a perda do que amamos, dor, doença ou a morte…

A competição, finalmente, é a manifestação do tipo de educação que recebemos das crianças no jogo, na escola, no desporto. A competitividade leva a uma procura excessiva e também a desejar o que os outros têm. Aprendemos que para conseguir algo, temos que nos esforçar e lutar contra os outros que aspiram ao mesmo objetivo. Esses comportamentos geram inveja, ressentimento e o desejo íntimo de que o outro não atinja seus objetivos.

 A mentalidade de escassez faz com que vivamos com mais ansiedade e frustração quando não conseguimos o que desejamos, mais medo do fracasso, mais dificuldade para enfrentar novos desafios. E na relação com os outros leva-nos a levantar barreiras e muros que nos separam dos demais, nos fazem menos empáticos, mais mesquinhos, mais rancorosos, mais medrosos e inseguros.

A mentalidade de abundância, no entanto, liga-nos com comportamentos que nos incitam a compartilhar, a colaborar, a cocriar, a trabalhar em equipa para alcançar objetivos compartilhados. A partir da mentalidade de abundância procuramos a relação com outras pessoas em lugar de ficarmos separados, temerosos, inseguros.

Compartilhar com os outros enche-nos de confiança e segurança. Quando estamos em contato e em cocriação, sentimo-nos muito mais poderosos, com mais recursos; as possibilidades multiplicam-se e isso dá-nos muita força.

A mentalidade da abundância olha a vida como um grande banquete, como um lugar cheio de oportunidades que podem ser percorridas com confiança. Isso não significa viver de costas para a realidade de situações dolorosas ou difíceis na vida, mas para se relacionar com o mundo a partir de uma posição mais otimista e confiante, com menos insegurança e menos medo.

A partir da mentalidade da abundância, não é tão importante a quantidade de riquezas que se pode acumular, como é aproveitar o que se possui sem a constante preocupação da perda, conhecendo o profundo significado da gratidão, da serenidade e do contentamento

 

 

Texto adaptado de Miriam Ortiz de Zárate

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